O inconcebível 400 mil

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Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO)

O Brasil possui 2,7% da população mundial e concentra 12,6% de todos os óbitos do mundo causados pela pandemia. Embora nunca seja aconselhável iniciar pelo estatístico, considerando o seu caráter terminativo, neste caso, entretanto, podemos começar por ele e fazer a discussão posterior.

Assuntos atenuantes como caráter do povo, organizações históricas e até questões sociológicas não parecem capazes de aferir plausibilidade a uma diferença múltipla de 4,66 para mais em relação ao resto do mundo. Então, quando uma diferença dobra para cima ou para baixo numa comparação de equivalentes, algo extraordinário está sendo feito; como numa corrida entre indivíduos pares, um poderá vencer, mas correr na metade do tempo do concorrente revela algo de extraordinário, para mais ou para menos.

É tradição em nossa complicada história social que excedamos esses números, quase sempre na direção contrária do que seria desejável, tradição falida que se manifesta ainda hoje.

Ao romper a barreira das 400 mil vidas perdidas em um país que chora cada vez menos o número de óbitos, buscar as causas parece algo quase que superado, mas pode ser que entendê-las melhor possa impedir a morte de alguém.

O Brasil, que na direção correta das proporcionalidades, já chegou a ser referência na capacidade de imunização, iniciou esta pandemia sem acreditar em sua letalidade, o povo e os governos somados. À medida que o tempo aprofundou a crise e o impensável continuou acontecendo, aeroportos foram fechados, viagens canceladas e parte da população aderindo ao uso das máscaras, a debandada política avançou para caminhos de negação total, negando a periculosidade do vírus, de início, e quando isso se tornou indefensável, lá pelos 5 mil óbitos, começou-se a negar a eficácia das vacinas, colocadas em confronto direto com uma cura precoce que a maioria do mundo rejeitou.

A seguir foi a vez do falso dilema economia verso afastamento social tomar conta dos recônditos discursos viralizados na web, e, por vezes, digno de pregação pública. A economia separada da vida e o dilema de cartas de tarô, sem nenhum aprofundamento na natureza mesma do mundo do trabalho e da produção, um erro, aliás, que o Brasil comete desde sempre, apoderou-se do debate público e de esquina.

Isso negou a nós, o povo brasileiro, uma ação coordenada entre as diversas esferas públicas para apontar um caminho baseado nas evidências da ciência e do bom senso, para que, na pior das hipóteses, aprendêssemos com ações bem sucedidas. De repente nos descobrimos descobridores da roda. Numa chance errática de acidentalmente acertarmos as contas com aqueles que investem recursos e tempo consideráveis em encontrar saídas em tempos difíceis, e que trabalham com previsão muito mais ajustadas que o mero tateio de uma aventura inócua!

Negou-se o vírus! Quando este não era mais possível de ser refutado, negou-se a cura e quando a cura se impôs por si mesma, negou-se a prevenção, e logo conseguimos, com grande tristeza, alcançar a incrível marca de sermos 4,66 vezes superior à média mundial, mas infelizmente numa superioridade indesejada.

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