Em regiões onde as estações são mais bem definidas e o inverno rigoroso o outono é o tempo de preparação para o enfrentamento de dias frios e desoladores.
O outono, portanto, pode servir de metáfora para aquela hora em que precisamos nos aprontar. É um momento tenso, pois não queremos apertar o passo, mas a certeza de que o inverno cairá nos obriga todos a prontidão.
Depois de termos entrado na modernidade com os olhos plenos de esperança na ciência, na democracia, na liberdade, vimos estas virtudes algures no tempo presente, e a desconfiança preencheu o coração do mundo.
Estamos ainda procurando uma palavra e um conceito para definir o nosso tempo, o tempo presente no qual vivemos, nos movemos e somos. Ainda não foi possível descrever com precisão, mas, fato é, que vinte anos após adentrar no novo milênio sentimos a friagem de um inverno que parece inexorável.
O mercado de trabalho mudou! Daquela exploração iniciada nas fábricas do século xix, que tanto trabalho deu a filósofos e teólogos gritando a liberdade e a libertação dos oprimidos, passamos à indústria contemporânea, que parece não mais necessitar de trabalhador, que deixado a sua própria sorte sucumbe ante as intermináveis crises econômicas que experimentamos nas últimas décadas.
Mesmo em setores onde se louva o aumento continuado da produção, como na agricultura, em plena pandemia, não sentimos ou vemos esse acréscimo transformado em bem-estar para a sociedade local. Como o ouro dos coloniais, parece descer em outras gargantas, enquanto, nós, o povo, estamos distantes desta partilha de lucro e de ganhos.
Mesmo em sociedades que conseguiram expressiva melhora na vida do povo, sente-se a agora a impossibilidade de progresso infinito.
Explicita-se aquele raciocínio da economia clássica que alertava ser finito os recursos e infinito os desejos, uma máxima distante, mas que agora, no final do outono, aproximou-se de nós.
Países se fecharam! Governos populistas surgiram, anunciando que se proteger dos outros é o melhor caminho para uma vida feliz num outono alongado. De norte a sul e de leste a oeste do mundo apareceram estes personagens, e ladeados por pensamentos estranhos, mas aceitos e compartilhados, mudaram o rumo do discurso.
Entretanto, são as palavras que devem se adaptar aos fatos, dado que os fatos jamais se adaptarão as palavras; o discurso populista tende a alongar a crise e o sofrimento do povo, como vimos agora, durante a pandemia que ainda vivemos.
O outono é tempo de preparação, como bem conhecemos na história da formiga e da cigarra. Enquanto as primeiras trabalhavam a segunda cantarolava, e, no final, o inverno chegou para todos! O resto da história é conhecido por nós desde as tenras infâncias.
Esse tempo de preparação não se faz com discursos ou ideologias, somente o pensamento inteligente para apontar saídas, coragem para seguir em frente e determinação para envolver a todos os interessados num diálogo sincero pode surtir algum efeito.
Se estamos no tempo de preparação então devemos nos preparar. Pequenos deslizes podem nos fazer entrar na friagem sem blusa nem casaco. Exemplo pertinente o que vivemos atualmente com a inflação de alimentos, aumento de preço que atinge primeiramente os de casacos finos e de blusas leves. Enquanto que os de jaquetas e casacos grossos importavam alimentos, gerando um superávit inédito para o país, mesmo em tempo de pandemia, a fome não demorou a chegar, e seus efeitos se alargam por onde quer que olhemos.
Como já nos alertou o Senhor de tudo, falar de tempos difíceis não é contra o Evangelho. A leitura correta da realidade e do tempo nos deixa todos em alerta (Lc 12, 54-59), e nos livra do juízo e dos juízes.
Então, permitam-me descrever o tempo que vivemos como o outono do mundo. Tomando como referência as estações que conhecemos, sou levado a nos reconhecer como indivíduos outonales, e até que achemos uma definição mais acertada esta pode servir.