A vida já não é absurda

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Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO)

Celebrar a Semana Santa é atravessar o caminho passando pela dor, pelo silêncio, até chegar à luz de um novo dia. É lembrar que, no tempo presente, marcado por tanta violência e incerteza, a eternidade já tocou a história. E isso basta para despertar aquela esperança que não decepciona.

A Semana Santa é o coração do tempo cristão, onde o tempo humano e a eternidade divina se entrelaçam num drama de amor radical. Em três dias, Deus revela como o amor que desce até o mais fundo da dor e da morte.

Na Sexta-feira Santa, vemos a justiça divina não como punição, mas como fidelidade absoluta ao amor. Jesus, o inocente, assume o peso do pecado do mundo. Ele entra no tempo como um de nós, experimentando a injustiça, o abandono e a dor.

O Sábado Santo é o dia do silêncio, do vazio, da espera. O corpo de Cristo jaz no túmulo e o mundo parece sem sentido. Mas é desse abismo que Deus emerge, após o silêncio. Deus se cala, mas não se ausenta.

Na descida ao inferno, Cristo alcança os que estavam perdidos. O tempo humano para, mas a eternidade trabalha. É o momento em que toda tristeza humana encontra eco no silêncio divino, e todo desespero encontra, sem saber, uma resposta no que está vindo.

No Domingo da Ressurreição, a alegria irrompe como transfiguração. O Cristo ressuscitado não apaga as chagas, mas as transforma em sinais de glória. A eternidade entra no tempo, inaugurando uma nova criação.

A esperança nascida do realismo pascal sabe que o mundo continua cheio de cruzes, mas que nenhuma cruz é mais absoluta. O Cristo ressuscitado carrega em si a memória da Sexta-feira e o silêncio do Sábado, mas também o brilho do Domingo. Por isso, a vida cristã não foge da dor, ela a atravessa com os olhos fixos na luz que vem do abismo do tempo.

Hans Urs von Balthasar nos lembra que o tempo não é um ciclo repetitivo, mas uma história com sentido, marcada por um acontecimento único: o abaixamento de Deus até o mais profundo da condição humana (Fl 2,6-11). Esse esvaziamento (kenosis), faz ver que o centro da realidade não é o poder, mas a doação. Isso muda quase tudo para nós, discípulos de hoje em dia. Muda nossa maneira de olhar o sofrimento, a justiça, a história e até a morte.

No tempo atual, tão atravessado por desesperança, polarizações e crises existenciais, a Semana Santa é uma chave para compreender o que significa viver com profundidade. Somos convidados a não nos contentar com respostas superficiais, mas a habitar o mistério. A Sexta-feira nos ensina a olhar de frente para a dor; o Sábado nos convida a permanecer fiéis mesmo sem respostas; e o Domingo nos abre ao inesperado da graça e da eternidade.

O católico é, por vocação, alguém que vive entre dois tempos! Vive no mundo olhando para a eternidade. Por isso, a alegria da Páscoa é uma postura diante da vida. Uma alegria que conhece a tristeza, mas que a transforma. Uma esperança que já sabe do túmulo, mas crê no túmulo vazio. Uma fé que passou pelo silêncio, e, ainda assim canta.

A Semana Santa é mais do que uma memória litúrgica, é um chamado existencial. Cada cristão é convidado a atravessar os três dias com o coração aberto — a entregar-se na cruz, a silenciar-se no túmulo e a renascer com Cristo, porque o tempo já foi tocado pela eternidade. A justiça já não é condenação, mas comunhão. A dor já não é fim, mas caminho.

Mesmo nas noites mais escuras, sabemos: a aurora já começou e a vida já não é absurda!

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