Ouvistes o que está escrito, mas eu vos digo

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Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO)

Olho por olho, dente por dente, é uma das mais famigeradas e desnorteadas atitude arraigada no espírito humano. Tão estranha a nós mesmos e ao próprio mundo que Jesus a elimina do horizonte das possibilidades.

Ouvistes o que está escrito, 'Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo', mas eu vos digo, diz o Senhor.

Ódio e vingança não são promissores para sustentar os pilares do mundo que virá. São atalhos equivocados que impedem o Reino de acontecer. O seu caráter precário abre feridas de difícil cura e adoecem, ainda mais, a já cambaleante e frágil esperança humana.

Pela violência e o mal pelo mal, a escuridão se alastra e a fraternidade se esfacela em pedaços disformes de uma realidade que não tem mais contorno. Interrompendo estradas e fechando veredas para os que vagueiam pela história.

A única saída deste círculo e quebrar o próprio círculo. Colocando uma trave em seu girar para arrebentá-lo de dentro para fora. Quando algo se move muito rápido ou tem massa muito grande, ainda que lento, a quietude lhe oferece uma resistência insuportável.

É importante notar esta condição fática da natureza das coisas, pois a lei do Talião, que recomendava olho por olho, dente por dente, não pode ser vencida pelo canto de Lamec quando dizia: “Matei um homem por uma ferida, um jovem por causa de um arranhão” (Gn 4,23).

Como se vê, a lei de Lamec é ainda mais dura e degenerada. Por ela a vingança não tem limite e a uma ferida não correspondia outra ferida, mas a vida inteira. A violência de Lamec era mais letal que o Talião. Aumenta a massa do mal e lhe dá velocidade. Por ela o mundo se destruiria. Uma vida tirada poderia ser vingada infinitamente, até que não restasse mais nada. O Talião diminui a massa, mas aumenta a velocidade. As duas se encontram ancoradas, ainda hoje, em guerras generalizadas de todos contra todos, e nos embates individuais de ataque e prevenção!

Jesus, nosso Senhor, propõe a paz como quietude da trava que quebra o aro. Amar os inimigos é não ceder a tentação do mal de acelerar o processo de violência.

As virtudes do Reino começam quando atitudes diferentes são geradas. Atitudes de um movimento que não ganha nada; contenta-se apenas de não fazer o mal. Essa virtude é essencial no mundo que está por vir. Agir desinteressadamente é a força oposta que faz rodar na outra direção.

Assim, começamos limitando a desmensurada violência de Lamec, limitando o mal sofrido a outro da mesma proporção. A uma ferida de Lamec o Talião só permitiria outra ferida, e não arrancar uma vida. Mas Jesus propõe mais. Propõe que não se tire vida nenhuma, que não se vingue o arranhão nem a ofensa sofrida. Propõe que imitemos a Deus, que não se vinga de nossos desvios nem perde a esperança em nós, mesmo quando somos maus. Por isso, com todo direito, pede de nós: “Vós ouvistes o que foi dito: 'Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo!' Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos e rezai por aqueles que vos perseguem” (Mt 5,43-44)!

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