Corações rasgados

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Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO)

Ao iniciarmos a Quaresma ouvimos o grito que a comunidade cristã preservou em sua integridade original do antigo texto do profeta Joel: “rasgai o coração, e não as vestes”, como indicação para uma conversão duradoura.

Um grito ecoado nos quarenta dias da travessia que não causa estranheza nem perplexidade. Um coração rasgado não é um coração dilacerado. O que é rasgado ainda permanece junto, unido e com possibilidades de reconstituição.

As vezes precisamos aumentar o rasgo num tecido para consertá-lo mais perfeitamente. Outras vezes é necessário rasgar um involucro para deixar sair o que lhe está dentro.

Também o coração precisa ser rasgado. Não as roupas, não o exterior, mas o que temos de mais interno e protegido.

O coração rasgado esvai-se de si mesmo e procura conteúdo novo. Alarga-se na direção do coração de Deus e passa a compreender melhor os mistérios do seu Reino.

Começar por fora é ilusão. É no coração que tudo se inicia, coisas boas e más. Nem o jejum, nem a esmola, nem a penitência surtem efeito se não começar por um coração novo. Nele começa os germes de superação de uma justiça dos fariseus e até de um amor pelos iguais e que podem nos amar de volta.

O coração rasgado começa a entender o mundo que viria ser plenamente revelado na vida de nosso Senhor Jesus Cristo.

A vertiginosa imensidão do Coração de Cristo amedronta muitos olhares, que vendo o quanto ele teve que se rasgar para acolher a todos, a começar pelos pecadores, pelos esquecidos, pelos proscritos, temem não ser capazes de fazer o mesmo. Amedrontados, muitos escolhem voltar. Um coração fechado que não cabe mais nada, e, por isso, incapaz de acreditar que Deus está no meio de nós como aquele que serve!

Não é sem razão que muito se fecha corações incompletos. Um coração fechado não é um coração inteiro. O seu regozijar é passageiro e se esvanece no tempo.

Esvaído na dureza que não se rasga o coração gira ao redor de coisas menores. Enfeites de outras épocas, incapazes de iluminar e fazer resplandecer o que tantas vezes resplandeceu no meio de nós.

Joel grita, não as roupas, mas é o coração que temos que rasgar.

Rasgar os corações é uma determinação que ecoa constantemente nos ensinamentos de Nosso Senhor Jesus Cristo. Um ensinamento que ele dirige a todos os discípulos, os de perto e os de longe. É no coração que se estoca tudo. A justiça que se aprende desde pequeno, por vias tortas, deve ceder lugar a uma justiça nova. Uma justiça que não se vangloria de sua força, mas que é invencível no amor e no perdão!

Não é sem dores que o rasgamos, pois nem o mais delicado tecido deixa de fazer barulho ao se rasgar. Da Quarta-feira de Cinzas até a conclusão da caminhada quaresmal, Jesus nos propõe esse importante exercício de aprendermos a rasgar e a curar os corações.

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