Dom João Bosco Oliver de Faria
Arcebispo Emérito de Diamantina (MG)
Desejo, por meio desta reflexão, celebrar com maior intensidade, com maior amor, com maior alegria e com uma fé fundamentada e fortalecida, a Festa da Assunção de Nossa Senhora ao Céu, em Seu corpo e alma.
Quatro são os privilégios que Maria recebeu de Deus; quatro são, pois, as grandes verdades da nossa fé sobre Maria: concebida sem o pecado original; sempre virgem; Mãe de Deus; assunta ao Céu em corpo e alma.
Ao longo dos vinte séculos de vida da Igreja, Maria foi sempre venerada por sua concepção imaculada, preservada do pecado original e concebida cheia de graça. No Concílio Vaticano I, o Papa Pio IX fez a declaração dogmática dessa verdade de fé. A beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante de sua conceição, por singular graça e privilégio de Deus onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada imune de toda mancha do pecado original. [1]
Ser concebida sem o pecado original significa ser dotada da incapacidade de pecar, ser de uma impecabilidade total, ou seja, Maria, mesmo no tempo de criança e de adolescente, nunca magoou ninguém, nunca usou uma palavra que pudesse ofender alguém, nunca se irritou, tendo total controle sobre seus sentimentos. O Evangelho nos dá evidências de que sua essência era de meiguice total. Quando perde o Menino Jesus no Templo, depois de três dias de tanta angústia e de tanta dor, ao encontrá-Lo, usa palavras que expressam sua angústia, mas que refletem seu autocontrole e seu respeito para com a missão de seu Filho: Quando o viram, seus pais ficaram admirados, e sua mãe lhe disse: “Filho, por que agiste assim conosco? Olha, teu pai e eu andávamos, angustiados, à tua procura”! [2] Admirável que, em sua delicadeza, Maria coloca os sentimentos de seu esposo José antes dos seus próprios sentimentos! Ela era humana, com sentimentos humanos, mas de um equilíbrio psicológico e espiritual únicos na história da humanidade. Segundo narra a Beata Ana Catarina Emmerich em suas visões, Maria era de uma beleza tão extraordinária que, ao seguir para Belém, teve dificuldades em encontrar hospedagem, também em razão de sua excelsa beleza. [3] Tendo sido consagrada no Templo, entre os sete e os dez anos de idade, ali permaneceu até os catorze, quando deveria sair para constituir família, segundo os costumes de seu povo. Maria foi educada pelas melhores formadoras de então, aprendendo tudo o que uma mulher dona de casa deveria saber, inclusive o fiar e o tecer. Há uma tradição que narra que a túnica inconsútil de Jesus, sobre a qual os soldados jogaram sorte, no alto do Calvário, teria sido tecida por Maria.
Desde as primeiras formulações da fé, a Igreja confessou que Jesus foi concebido exclusivamente pelo poder do Espírito Santo no seio da Virgem Maria. [4]
Em 431, contra a heresia de Nestório, o Concílio de Éfeso confessa Maria como Mãe de Jesus Cristo, verdadeiro Deus. Mãe de Deus, não porque o Verbo de Deus tirou dela a sua natureza divina, mas porque é dela que Ele tem o corpo sagrado dotado de uma alma racional, unido ao qual, na sua pessoa, se diz que o Verbo nasceu segundo a carne. [5]
Como Mãe de Jesus Cristo, cabeça da Igreja, ela é, pois, Mãe de seus membros. Explica-nos admiravelmente São Paulo VI: A Virgem Maria é reconhecida e honrada como a verdadeira Mãe de Deus e do Redentor. [...][6] Ela é também verdadeiramente “Mãe dos membros desta Cabeça”. [...] Maria Mãe de Cristo, Mãe da Igreja”. Sendo Mãe da Igreja, Maria é a Mãe de todos os homens. No alto da cruz, Jesus no-La deu por Mãe: A seguir, disse ao discípulo: “Eis a tua mãe”.[7]
Outra fé milenar da Igreja a respeito de Maria foi a de sua assunção ao céu em corpo e alma. A declaração oficial dessa confissão aconteceu em 01 de novembro de 1950, pela proclamação do dogma pelo Papa Pio XII, depois de ter consultado os Bispos em todo o mundo. Finalmente, a Imaculada Virgem, preservada imune de toda mancha da culpa original, terminando o curso da vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celeste. E, para que mais plenamente estivesse conforme a seu Filho, Senhor dos senhores e vencedor do pecado e da morte, foi exaltada pelo Senhor como Rainha do universo.[8]
Maria é, quantitativa e qualitativamente, a mais santa de todas as criaturas de Deus. Tendo sido concebida, pela misericórdia divina, sem o vazio do pecado original, o Divino Espírito Santo não encontrou nela nenhuma resistência e, assim, pôde realizar em seu ser todas as maravilhas da graça compossíveis a uma criatura. Maria exaure, pois, o potencial de santidade na criatura. Com razão Ela vai dizer a sua prima Santa Izabel: O Poderoso fez em mim maravilhas e Santo é o Seu Nome! [9]
Se fosse possível somar a santidade de todos os santos e mártires da história da salvação, a santidade de Maria superaria a santidade de todos juntos. Para além do quantitativo, a santidade de Maria é de qualidade diferenciada: ao contrário dela, os santos e mártires sofreram a marca do pecado original. O caminho de santidade deles parte, assim, de um vazio da graça.
Maria, aclamada pelo Arcanjo Gabriel Cheia de Graça,[10] vive uma santidade de qualidade diferente. Metaforicamente poderíamos dizer que a santidade de todos os santos é prata, mas a de Maria é ouro! Se ajuntarmos toda a prata do mundo em um só local, a prata continuará sendo prata sem se tornar ouro. Prata em quantidade, mas prata! Desse modo, não há como comparar a santidade de Maria àquela dos Santos e dos Anjos. Estes são puros espíritos, confirmados em graça. Maria é a “Rainha dos Anjos”, conforme rezamos na ladainha. O culto aos Anjos e Santos tem um nome teológico: dulia. O culto a Maria denomina-se hiperdulia, termo que explicita a veneração especial e diferenciada à Filha predileta do Pai, à Esposa do Divino Espírito Santo, à Mãe de Jesus Cristo. É por isso que se assume que nenhuma outra criatura teve ou tem uma proximidade espiritual tão grande e tão profunda com o mistério de Deus.
Elevada a tão alto grau de santidade, por ser santa, não perde a sua humildade: - Eis aqui a serva do Senhor,[11] dirá ao Arcanjo Gabriel, quando recebe o anúncio de ter sido escolhida para ser a Mãe do Messias Prometido. Esquecida de Si mesma e de sua grande Missão na história, vai às pressas[12] servir sua prima Izabel.
Jesus, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, desce à Terra, no seio de Maria, para levar a humanidade de volta para o Pai. Maria, Mãe amorosa de Jesus, Corredentora, sobe ao céu, em seu corpo e alma, para, com seu Filho, implorar a Deus Pai o perdão dos pecados da humanidade e as graças necessárias a cada pessoa para bem viver a própria vida, conforme os eternos desígnios divinos, e vivenciar para sempre a felicidade do Céu.
A Assunção de Maria ao Céu, em corpo e alma, é a consequência lógica para quem já recebera os privilégios da Conceição Imaculada e de ser a Virgem Mãe de Deus! A Festa da Assunção de Nossa Senhora ao Céu é, pois, a celebração do penhor que, também nós, um dia, ao final de nossa missão terrena, estaremos, para sempre, saboreando a alegria da festa eterna no Céu!
Nossa Senhora da Assunção, Rainha do Céu e da Terra, rogai por nós pecadores, agora e na hora da nossa morte. Amém!
[1] Denzinger - 2803 – Catecismo Católico, 491.
[2] Lc 2, 48.
[3] EMMERIC,H, Ana Catarina, A Infância de Jesus, Paulus, Lisboa, 2007, Pag. 82.
[4] Denzinger – 10 – 64; Catecismo Católico, 496.
[5] Denzinger - 251 – Catecismo Católico, 466.
[6] SÃO PAULO VI, Discurso em 21 de novembro de 1964, Apud Catecismo Católico, 963.
[7] Jo 19, 27.
[8] Lumen Gentium 59; Denzinger – 3903.
[9] Lc 1, 49.
[10] Lc 1, 28.
[11] Lc 1, 38.
[12] Lc 1, 39.