Dom Lindomar Rocha
Bispo de São Luís de Montes Belos
Entre as intuições mais profundas da Encíclica Fratelli Tutti encontra-se a formulação do Papa Francisco que diz:
“Se alguém pensa que se tratava apenas de fazer funcionar melhor o que já fazíamos, ou que a única lição a tirar é que devemos melhorar os sistemas e regras já existentes, está a negar a realidade” (7).
Essa locução soa como uma verdade avassaladora nos ouvidos do mundo que muda de forma acelerada, deixando atônitas até as ideias mais bem ajustadas e alocadas com ar de contemporaneidade.
É avassaladora porque o desafio de novos começos lança o olhar para o desconhecido, que como os Apóstolos, embora tivessem ouvido falar muitas vezes de Ressurreição, custaram a acreditar, até mesmo no que seus os olhos viram.
O começo assusta porque não é a origem. A origem é desconhecida e emana de fontes que ainda nos é estranha. Desse modo, precisamos começar sem conhecer ainda as origens.
O Papa, então, nos alerta que, por já conhecermos as origens de tudo que está acontecendo, caímos na tentação de repetir o mesmo começo, apenas pausado por forças circunstanciais que logo passarão, recolocando-nos nos trilhos novamente.
Há, portanto, uma trapaça que nos faz acreditar que basta acelerar aquilo que já fazemos para chegar a um bom fim. Algo como imaginar que o remédio contra a destruição que a técnica inflige ao mundo, é mais técnica; ou, então, que o descanso para quem já está correndo, é correr mais. Essa trapaça é profundamente arraigada na natureza humana.
Aí está um desafio digno de reflexão que o Papa nos põe. Ele está convicto que o mundo já não funciona bem a mais tempo do que estamos acostumados a pensar. Os graves problemas da migração, do número de empobrecidos e do esgotamento de recursos depõe a favor de sua visão. Chegamos, assim, a um momento crucial na história humana, um momento que só será superado se contar com novos começos.
Novos começos precisam ser gestados a partir de tudo que vivenciamos agora, mas não só agora, pois a origem do que vivemos está profundamente fincada em nossos corações, inteligência e vontade, e requisita de cada um a coragem e a força que muitas vezes não temos para desalojá-la da história.
A pandemia que nos assombra a todos nos dias de hoje é o turbilhão do qual esperamos sair para retomar o nosso caminho, mas um evento desta magnitude não deixa as coisas ficarem onde estão. É “negar a realidade” pensar que podemos ligar as pontas e recomeçar a partir de janeiro próximo passado.
Novos começos precisam ser gestados em todas as dimensões da vida, a começar pela política, mas se espalhando pelas práticas pastorais e iniciativa do pastoreio que dizem respeito aos irmãos de fé e as pessoas de boa vontade.
A prática do Samaritano é o exemplo que nos dá o Senhor de tudo, mas como bem asseverou o Papa Francisco: o desafio é fazer que este seja um recomeço para todos